Carta a um futuro pai
- Jimi Aislan
- 10 de ago. de 2019
- 4 min de leitura

Os dias têm se dividido entre muito felizes, por saber que você vai ser pai, e muito apreensivos por não saber se continuaremos com o nosso. Nessa mescla de sentimentos, lembrei de ter ficado muito feliz e não ter dado os parabéns. Ainda não somos tão bons com as emoções quanto somos resolvendo problemas práticos, mas lembrei de algo que possa te ajudar e como a voz treme, escrevo: quando for pai, converse com seu filho ou sua filha.
Não tive filhos, mas cresci ao lado de um bom pai. Não só por estar presente como figura paterna, mas por ser presente como ser humano. De toda a minha jornada como filho, se há algo que lembro, muitas e muitas vezes, é o mundo próprio que criamos quando conversamos a sós. Eu e o pai. Não falo das broncas e monólogos, falo daquele diálogo voltado a entender quem é o outro, sem pressuposição. Aquele bate-papo de olhos nos olhos, sentindo como cada palavra se movimenta na face do outro. Foram essas conversas que contribuíram para formação do meu caráter.
Lembro dele me chamar e dizer que tinha que secar a louça, e eu concordar dizendo “para ajudar a mamãe” e ele disse que não, para ajudar a todos na casa, porque se cada um fizer a sua parte, a casa se conserva. Perguntou se só a mamãe havia comido e eu disse que não. Então porque só a mamãe tem que arrumar a cozinha?
Ou da vez em que roubei um chocolate, na mercearia perto de casa, e meu pai descobriu, achei que ia apanhar feio. Mas não, ele perguntou o porquê de eu ter feito aquilo e, pela primeira vez na vida, vi meu pai chorar. Falou a respeito de integridade, cuidado com o trabalho dos outros, não entendi muito bem, mas no caminho de casa até a mercearia, fui chorando e pensando na vergonha de ter que entregar o dinheiro para o “bolicheiro” e dizer “é do chocolate que roubei mais cedo”. Com nove anos, aprendi que tudo tem outro lado, se você ganha com a falha dos outros, o outro perde por “esperteza” nossa. Ser bom e mau na vida é fácil, mas ser justo, é muito difícil.
Lembro também da minha primeira nota baixa. Matemática. Tomei um pé na bunda de uma namoradinha, e com 14 anos, achei que a vida tivesse acabado. Ao invés de briga ou castigo, ganhei uma ida de carro até algum lugar com meu pai. No meio do caminho, ele puxou conversa sobre a nota e contei pra ele da história e de como nada fazia sentido. Ele não riu, olhou pra mim e disse que a vida é feita de escolhas, nesse momento o foco era a paixão de alguém que não me queria, mas e o resto do ano? E o esforço que eu tinha feito até ali na escola? Valia aquela desilusão? O que era mais importante para mim: eu e meu futuro ou alguém que não se importava com o meu sentimento? Chorar faz parte e vai doer, porque não existe separação sem dor, disse ele, até um bebê chora ao ser cortado o cordão umbilical, mas tudo passa com o tempo. Como ainda é difícil hoje entender conceitos de auto estima e amor próprio, mas como foi linda aquela conversa com o menino de 14 anos.
De tudo que não posso dizer sobre ser pai, digo o que pode mudar a sua vida quando se é um filho. E as conversas que desenvolvi com meu pai, conservam em mim um misto de respeito e carinho. Um sabor de sempre ter algo mais a ser dito, independente do lugar, uma pescaria, em casa, no carro, num chimarrão e até no hospital. Deixaram a marca indelével de que ouvir é mais importante que dizer, que por vezes já temos as respostas, mas é preciso dizê-las em voz alta, diante de um olhar sereno e acolhedor, para que possamos nos apossar das escolhas. O pai pouco entendia de conceitos sobre inteligência emocional e sempre esteve longe de ser um “ótimo” exemplo de feminista. Mas ele gostava de pessoas, tratava todos da mesma forma, coronel a soldado, do juiz ao primo agricultor, do cliente ao empregado. Ter um pai humano, foi determinante.
Não é preciso ser homem para ser pai. Tampouco basta ter fornecido um espermatozoide ou pagar pensão (como se pensão resolvesse tudo) para ser reconhecido como um. Pai nasce no momento em que se ergue sob nossas sombras essa mão constante de apoio; um afago muitas vezes invisível, mas que se transforma em uma pequena lágrima a cada conquista nossa; um trabalhar constante para oferecer um futuro melhor. E essa constância vem no desenvolvimento diário de cada um, dentro de cada conversa regada a trocas de ideias e sentimentos. Revelar-se vai além de copiar padrões, vem com tempo, vivência, carinho e respeito. Uma conversa, acompanhada de uma ação que a reforça, é o que fortalece respeitosamente um valor. Para um mundo mais valoroso, é preciso filhos valorosos, que são forjados por pais mais simples em emoções.
Ainda hoje, quando a vida tira as rodinhas da bicicleta, não preciso olhar para trás para saber que ainda há as palavras dele me guiando. Quando você for pai e não souber o que fazer, converse. Mesmo que você não saiba onde aquela conversa irá chegar. Um bom diálogo é sempre um convite para que o outro se mostre, mais simples, mais puro, mais verdadeiro.



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