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Preço da realidade

  • Foto do escritor: Jimi Aislan
    Jimi Aislan
  • 11 de dez. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 12 de dez. de 2018


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Um segundo, um estalo, uma observação e pronto, a gente começa a prestar atenção em algo que até então era desconhecido. Às vezes são situações fundamentais da vida, como encontrar aquela pessoa especial apenas olhando ao lado; outras vezes, coisas com dimensões mais modestas, como perceber que um lanche fastfood é mais caro que um livro. Sim, é, pode conferir.

A noção de realidade tem uma dose de acaso somada com boa vontade. Ou talvez só um pouco de vontade já bastasse. Muito do que nos cerca está, e sempre esteve ali, mas preferimos não gastar nosso tempo observando. A morte, por exemplo, faz parte da cadeia natural de acontecimentos, mas é só quando ela nos afeta, direta ou indiretamente, é que nos damos conta da efemeridade da vida. Como a fruta no cesto sobre a mesa. Parece de cera, até que seu cheiro mostra que o tempo passa e a casa fica perfumada com nosso esquecimento.

Fonseca disse que "A ignorância não é uma bênção. Se os inteligentes sofrem por suas inquietações existenciais, os estúpidos sofrem por coisas inacreditavelmente idiotas". Talvez esse seja o espírito que rege nossos dias. Muitas coisas acontecem, mas todos estão ocupados demais para perceber, sequer prestar atenção. Feminicídio? Sempre existiu. Câncer. Guerra. Trânsito. Morte. A pergunta passa de "o que é real?" para "o que me interessa perceber?". Alguns precisam de um estalo, grandes acontecimentos, trombadas feias da vida. Sabe quando você percebe que tem garganta? Exato, quando ela inflama e não é possível engolir água sem alguns arranhões.

Parece simples isso, mas muitas grandes novidades, ou revolucionárias descobertas, na verdade são resumidas na falta de vontade de perceber o que está lá e sempre esteve. A chave é simples, voltar a ser criança. Especialmente naquela fase das perguntas girando ao redor do “por quê?”. Curiosidade lúdica que nos transforma em desbravadores da realidade. Questionadores do senso estabelecido. Tipo essas mulheres que lutam por igualdade. Louco não? Não, necessário. Sempre o foi, mas perceber a desigualdade é um ato de levantar a cabeça, sentir que a falta de equidade nos dói e enfrentar uma realidade preconcebida. Tem gente que ainda acredita que temática negra, feminista, LGBT, imigrante, entre outras tantas batalhas que são lutadas há séculos, são apenas mimimi. As mesmas pessoas que acham um lanche fastfood bem acessível, mas um livro bem caro. Que investir em presídios é melhor que em escolas, que liberar agrotóxicos é melhor que reeducar a percepção alimentar. São as mesmas pessoas que sofrem pelo sistema de cotas e que acreditam na magia política para solucionar o Brasil.

Geralmente acordamos quando o sonho se torna pesadelo ou há um incômodo muito grande no sono. Alguns acordam com o ronco do outro e não percebem o seu próprio. Talvez o lance de olhar atentamente as coisas ao nosso redor seja apenas divagação, talvez seja um espirro involuntário de quem percebe a doença chegando. O fato é que realmente um lanche está mais caro que um livro. Um engorda, o outro desenvolve. Um nos deixa McFeliz, o outro nos torna críticos. Um perde o sabor na primeira mordida e nunca está igual a expectativa criada pela foto. O outro, melhora com o tempo, muda de sabor com a idade, e sempre surpreende. Em tempo de livrarias sendo fechadas, fui acordado a desviar o caminho no shopping e dividir o almoço com a Clarice, levando um Érico, um Poe e uma Wolf de presente. Afinal, a dieta que estava adiada começou com a simples percepção de que séculos de conhecimento valem mais que hambúrguer + refrigerante + fritas.

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