Quando o beijo encaixou
- Jimi Aislan
- 23 de out. de 2018
- 2 min de leitura

Estava à espera do beijo que encaixasse.
Nunca contabilizei as mulheres por quem passei, mas os beijos encaixados, esses sim. E tinha sido apenas um. Num distante agosto chuvoso no ensino médio. E agora ela estava parada ali em minha frente, molhada do caminho chuvoso e segurando as chaves para entrar no apartamento. Meus olhos encontraram os dela e confluíram. Mas não teve beijo de imediato. Houve um silêncio entre dois suspiros. Ainda de olhos abertos e os semblantes embaralhados, o beijo foi adiado como quem puxa a respiração se preparando para ficar muito tempo embaixo d’água.
Por fim o mergulho.
Não bastou encostar os lábios e esperar ouvir os sinos. Não. Aquele beijo tinha urgência em ser o comum de dois mundos. Depois daquele encaixe, tudo mais parecia sempre ter estado ali. A gravidade diminuía e o tempo se dificultava em passar. Quantas vezes o tempo parou durante um beijo? Não lembro e isso era algo a nunca ser esquecido. Se eu tivesse sido mais sincero nas relações teria feito o tempo desacelerar e elas durariam mais que três meses? Tentei trazer na memória de onde vinha aquela média, mas de repente fui puxado. As mãos se multiplicaram na pressa de fazer o outro entender tudo o que as bocas não perdiam tempo em falar. E puxavam a cintura, e emaranhavam os cabelos, e se esticavam da nuca ao ouvido, e encontravam as mãos, e, por fim, eram esquecidas e relembradas cada vez que se respirava.
Havia um gosto atrevido em cada mordida que os lábios ganhavam. Um sabor safado que se ouvia baixinho no tesão mascado entre um gemido e outro que das bocas escapavam. Eu tinha sede. Até então tinham sido beijos semiáridos. Inférteis. E naquele encaixe, já havia tempestade embriagada por línguas que não cessavam. Ora se tocavam, ora deslizavam entre os dentes e os cantos da boca. De repente, numa pausa de vários milissegundos, os lábios se afastaram, os olhos semiabertos, voltou-se o ar aos pulmões, seguido de um novo mergulho para dentro do beijo.
Aquilo nascia em algum lugar entre os desejos guardados e os pensamentos planejados, e se perdia no espaço que era possível fisicamente. Parede virava cama, chão era usado de cadeira, e a única regra era seguir as vontades. Havia música, ou pelo menos eu dançava. Existia cadência nas idas e vindas das mãos, no choque entre os corpos. Tudo parecia acontecer com precisão.
Precisava-se. Ou melhor, permitia-me, como havia muito tempo deixado de lado. Apoderei-me do momento em que todos os sentidos se reuniam e se perdiam. Já havia beijado para impressionar, mas aquilo ali não era teatro, beijava para mim e sabia que isso bastava para que ela recebesse algo maior. E ri. Uma certeza devassa me passou pela cabeça de que um beijo encaixado era prenúncio de reciprocidade no que houvesse pela frente. Quando mais novo, aguardava pelo momento do sexo. Amadureci os sentimentos, apurarei os sentidos e resumi meus pecados. Hoje, esperava por aquele beijo.
Foi então que o beijo encaixou novamente.


Comentários